Funciona assim, na Serra Gaúcha, mais especificamente nos Campos de Cima da Serra: com a chegada do Inverno, que é muito rigoroso nessa parte do País, o campo nativo fica queimado com o gelo das geadas. O gelo queima, você sabe disso. Como a geada dura uma noite inteira por aqui, ou, às vezes, um pouco mais, as folhas das pastagens queimam e acabam morrendo. Ou seja, perdem o seu valor nutritivo, viram uma palha seca.
Essa palha seca acaba não alimentando o gado que está no campo e que tem um dono, um fazendeiro. Essa é a época da entressafra da carne do RS todo. O gado fica magro.
Quando se aproxima o fim do Inverno, o produtor rural (de rebanhos) aguarda o momento em que ele pode acabar de uma vez por todas com esse pasto queimado pela geada e, assim, dar lugar à nova pastagem, muito nutritiva para o seu gado e ganhar dinheiro com a venda da carne. Ou seja, o fazendeiro espera a elevação da temperatura, o fim do frio, e a chegada das chuvas da Primavera. Esse processo acontece naturalmente todos os anos (o fim do Inverno, o aumento da temperatura e as chuvas da Primavera).
O gado dos fazendeiros ainda enfrenta outro problema. O pasto queimado fica rígido e machuca o focinho das reses que tentam pegar brotos mais rentes ao solo. Por esse fator também não se alimenta direito.
Bem, assim que o Inverno acaba, o fazendeiro, em vez de retirar mecanicamente o pasto queimado, com máquinas (roçadeiras - tratores), ele se utiliza de uma forma incrivelmente mais fácil de fazer o trabalho. Aliás, o trabalho que ele não faz, que é o da retirada desse pasto seco. O único trabalho dele é atear fogo no campo. O fogo trabalha gratuitamente para ele, em detrimento do meio ambiente.
Imagine: o pasto está seco e foi ateado fogo. É juntar "a fome com a vontade de comer", ou seja, o fogo se alastra com facilidade espantosa. Ainda mais porque a passagem do Inverno para a Primavera acarreta em ventos mais fortes na região da Serra Gaúcha. É como se houvesse uma batalha em que o Inverno não quer sair, a Primavera quer chegar e o Sol já está retornando ao seu lugar de Verão (ou o planeta está mudando se ângulo em relação ao Sol, conforme o seu eixo movimenta-se), o que torna inexorável o fim do Inverno. Novamente, explicando, as geadas acabarão, a temperatura aumentará, as chuvas, que são abundantes o ano todo na região, continuarão.
Tudo isso faz com que, depois de ateado o fogo no campo, acabado o frio com formação de geadas, a temperatura começe a se elevar, chegadas as chuvas da Primavera, brote o muito nutritivo pasto novo para alimentar o gado do fazendeiro.
O que devemos ter em mente é outra coisa da física: quando queimamos, qualquer coisa, há um resultado dessa combustão. Há, em primeiríssimo lugar, a carbonização de um combustível (o material que está sendo queimado), nesse caso as gramíneas secas pelo Inverno e uma imensurável e absurda quantidade de outros elementos, tais como inúmeros sais minerais e uma infinidade de seres vivos. Tudo é queimado. Tudo é combustível para o fogo. Outro resultado dessa combustão toda é a fumaça.
Uma fumaça muito densa (você já viu campos pegando fogo? Às vezes é uma barreira intransponível!) Como a quantidade de pasto a ser queimada está na casa dos milhares de hectares, juntando todos os fazendeiros produtores de carne dos Campos de Cima da Serra, a fumaça gira em torno das centenas de toneladas no ar atmosférico, sendo carregada pelos ventos até a fronteira Oeste do RS ou indo para o Sul (pois os ventos, ou as frentes frias, vindos do Sul estão barradas com o fim do Inverno).
Veja as fotos abaixo tiradas no dia 02 de Setembro de 2011, o primeiro dia de grandes queimas de campo no Rio Grande em 2011, em Caxias do Sul. Ainda havia mais um fator que contribuiu fortemente para que a situação chegasse naquele ponto: a umidade do ar estava em torno de 50% ou até, em certos momento, abaixo desse patamar (chegou a estar em 45% naquele dia).
Impressione-se com o ar que era respirado em toda a Serra Gaúcha, quer seja em Caxias do Sul, em Cambará do Sul, em Gramado, Canela ou Bento Gonçalves. Note na primeira foto, que mostra o horizonte da cidade, a camada escura de fumaça imediatamente acima da cidade e, mais alto, o céu lípido. E foi com esse céu limpo e atmosfera transparente que amanheceu naquele dia em Caxias do Sul.
Diferença de cores na atmosfera |
Centro de Caxias do Sul esfumaçada |
Ao fundo, Parque Mato Sartori envolvido pela fumaça |
Fumaça sobre Caxias do Sul - detalhe |
Centro de Caxias do Sul visto de longe |
O problema das queimadas não é apenas do meio ambiente. É também de saúde pública. As queimadas são proibidas e assim devem permanecer. O policiamento tem se preparado para a época das queimadas no RS (Agosto, Setembro e Outubro), mas não dá conta. Os produtores rurais chegam a combinar datas específicas para fazer a grande queima, em grandes números, o que dificulta a fiscalização.
A perda de habitat é o fator primordial para a extinção das espécies. As espécies, tanto animais quanto vegetais e outras, ainda, como fungos, são os que mantém o equilíbrio do nosso meio ambiente em que vivemos. O Estado deve intervir mais rigorosamente na questão das queimadas. Estamos vivendo num mundo em que a resiliência, isto é, a capacidade de retornar ao estado anterior, está cada vez mais fraca.
O planeta Terra é o único lugar em que podemos viver.
3 comentários:
Há algo que precisa ser acrescentado... dentro desta visão, apresentando-se apenas os personagens como "fazendeiros" pode-se pressupor que são todos proprietários de vastas áreas e que disporiam de outros meios(e máquinas) para executar o intento de outro modo (correto = roçar). Contudo, deve-se referir que boa parte não pode ser apenas mencionada como fazendeiros, mas sim como proprietários de terras que se vivem, especialmente, dedicando-se a atividade pecuária. Boa parte destes, são pessoas que sequer possuem tratores e equipamentos para promover o manejo correto e, também não são beneficiados com este serviço pela prefeitura, estado, enfim, poder público... Pela ótica destes, apenas a proibição, sem acesso a meio diferente, será sempre um desmando e um convite ao fogo, especialmente, ao mirar seu gado magro e cientes da sua dependência total desta atividade para subsistência. Modificar hábitos ou vícios que existem há gerações incorporados a determinada cultura... requer mais que palavras e leis proibitivas... pede ações educativas e acesso real e socializado a meios ecologicamente corretos que seja implementados como política e ação...
Obrigado e apoio o tema e a causa sim....
vitor reis
Olá, Vitor.
Exatamente por isso esse é um problema de Estado.
O grande proprietário se utiliza justamente dessa situação como um dos meios de justificar a sua ação.
Esse é um problema da sociedade toda e não apenas dos produtores rurais.
É muito triste ver nossa natureza destruída em nome do progresso. Hoje os senadores querem fazer isso piorar em nome da agricultura, logo nosso futuro esta ameaçado e precisamos impedir que isso aconteça.
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