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sábado, 14 de maio de 2011

Desmatamento da barragem Marrecas será reavaliado pelo IBAMA. Anuência para corte de Mata Atlântica foi cassada por meio de ação judicial

O IBAMA deverá analisar as denúncias de fraude no licenciamento ambiental da barragem Marrecas, e seu consequente desmatamento. A licença ambiental prévia, que admite o empreendimento define sua localização, foi emitida sem análise das alternativas técnicas e locacionais, em discordância às normas de proteção ambiental previstas na Lei da Mata Atlântica, Código Florestal e Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que regem o licenciamento ambiental. Na ocasião, a irregularidade foi levantada em parecer firmado pela equipe técnica  designada para o licenciamento no órgão ambiental estadual (FEPAM), formada por seis técnicos de carreira da fundação. Depois da negativa de licença para a barragem Marrecas, equipe técnica foi destituída por um ato apócrifo, que se atribuí à ex-diretora-presidente do órgão, Ana Pellini, indicada pela ex-governadora Yeda Crusius. Com isso, mesmo com parecer contrário dos técnicos da FEPAM, a licença prévia foi expedida por dois funcionários ligados à setores governistas, mesmo estando o projeto em discordância com as normas de proteção ambiental.

Agora, sentença proferida pela Justiça Federal julgou parcialmente procedente ação de mandado de segurança impetrado por entidades ambientalistas, cassando a autorização para desmatamento. Além disso, foi autorizando ao IBAMA agir frente às irregularidades constatadas que redundariam em desmatamento da Mata Atlântica. Promovem a iniciativa o Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza, de Caxias do Sul, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – INGÁ e a União Pela Vida – UPV, de Porto Alegre. A pedido das entidades, especialistas realizaram uma auditoria independente e concluíram que o licenciamento da barragem Marrecas é uma fraude ambiental sem precedentes, e pode ser a maior fraude ambiental já praticada no Estado do Rio Grande do Sul, desde a consolidação de uma legislação de proteção ao meio ambiente. Segundo estes especialistas, se levada a efeito, a barragem Marrecas causará a maior destruição ambiental da cidade de Caxias do Sul no período democrático atual, desde 1988, porque se tratam de remanescentes naturais históricos e insubstituíveis. Semelhante impacto ambiental ocorreu, em Caxias do Sul, somente quando ainda não existiam técnicas mais sofisticadas de abastecimento público, justificando a construção das antigas barragens, como a barragem do Faxinal. Hoje já se sabe que as barragens não são uma alternativa adequada ao abastecimento público, mesmo para Caxias do Sul, porque além de causar muita destruição do meio ambiente, do ecossistema local como um todo e do microclima, o lago artificialmente criado, com o tempo, fica assoreado e elas perdem drasticamente sua eficiência. Quando inaugurada a barragem do Faxinal, por exemplo, em 1987, o anúncio dos governantes e engenheiros foi de que o abastecimento estaria garantido até o ano de 2030. Mas o lago artificial da barragem assoreou e o sistema todo perdeu drasticamente a sua eficiência, e hoje já é preciso buscar alternativas para assegurar o abastecimento.

A primeira alternativa seria melhorar a eficiência do sistema, reduzindo o desperdício. De todos os municípios brasileiros, Caxias do Sul é o que mais desperdiça água, mais de 60% (sessenta por cento) de toda a água captada é perdida, segundo a última pesquisa divulgada pela Revista Saneamento Ambiental, referente ao ano base 2009. Se fosse melhorada a eficiência do sistema, o município teria 60% a mais de água disponível, o que corresponde a muito mais que a água que seria armazenada no Arroio Marrecas. Com a barragem Marrecas o abastecimento de Caxias do Sul poderá será levado ao colapso, porque as decisões não levaram em conta a precária eficiência do sistema atual, contrariando as diretrizes nacionais para o saneamento básico, o que pode resultar em risco de desabastecimento para a população, mesmo que venha a ser construída uma nova barragem.

A segunda alternativa concreta seria iniciar a captação do Aquífero Guarani, que em Caxias do Sul está muito próximo à superfície, apenas centenas de metros. Do ponto de vista da qualidade da água, já se sabe que a perspectiva de uso do Aquífero Guarani é de boa a muito boa, conforme estudo contratado pelo governo de Caxias do Sul em 2004, realizado pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E considerando que já é possível obter petróleo da camada pré-sal, que fica a milhares de quilômetros da superfície, porque não obter a água de muito boa qualidade disponível no subsolo de Caxias do Sul, no Aquífero Guarani? Bastaria priorizar práticas sustentáveis, como o uso do Aquífero Guarani, ou mesmo melhorar a eficiência do sistema (medidas que o governo de Caxias do Sul conhece, inclusive por estudos que contratou com recursos públicos, e que apontaram a viabilidade destas alternativas) e já não seria necessário construir nenhuma nova barragem. Ora, se estas alternativas reconhecidas por governos anteriores não é reconhecida pelo governo atual, é preciso questionar ao atual: como será o abastecimento depois que esgotarem o último rio e destruída a última floresta? É que o limite está próximo, já não há muitos rios, nem muitas florestas, que ainda conservam a água para os rios e os homens. Além disso, é preciso questionar: qual a quantidade de água utilizada pelo setor metalmecânico de Caxias do Sul, o segundo maior polo metalmecânico do Brasil? Este setor econômico, que faz uso intensivo da água em seus sistemas produtivos, já possui sistemas de coleta e uso de água da chuva? Os empresários que tem altos lucros com o cluster produtivo metalmecânico não poderiam investir um pouco de seu lucro no reúsocaxiense?

Além de tudo isso, ainda que fosse necessária uma barragem, o Arroio Marrecas era a pior alternativa locacional possível para a obra, conforme a FEPAM verificou e apontou em suas análise técnicas. Existem outros rios e arroios já desprovidos de espécies ameaçadas de extinção, florestas, fauna e flora nativas, onde o dano ambiental seria significativamente inferior. No EIA/RIMA elaborado pela Universidade de Caxias do Sul – UCS, é referido que o Arrio Marrecas seria uma boa opção porque possui mais áreas com floresta e menos áreas produtivas, o que reduziria o custo com desapropriações; ironicamente, o IBAMA determinou que toda a área com florestas seja compensada com aquisição de novas áreas, conforme a legislação vigente, e isso ampliará em milhões o custo da obra.  O desmatamento no Marrecas seria da ordem de mais de duzentos campos de futebol de Mata Atlântica, com mais de dez mil araucárias que seriam cortadas, cerca de cinco mil xaxins (alguns com mais que quinhentos anos), tudo isso além de mais de uma dezena de outras espécies ameaçadas de extinção, entre elas bromélias, orquídeas e animais silvestres, que foram verificadas em vistorias de campo realizadas pelo IBAMA. Alias, diante das recentes constatações, toda a compensação ambiental deverá ser reavaliada, o que ampliará em muito o custo real da obra, repassando mais uma vez para a sociedade e a comunidade local o custo da destruição ambiental.

A barragem Marrecas lesa não apenas a legalidade, a moralidade administrativa e o meio ambiente, mas toda a comunidade caxiense onerada com aumentos da tarifa deste serviço público essencial; e outros aumentos virão à medida que forem computadas as pesadas compensações e indenizações ambientais que o município inevitavelmente terá de fazer jus por esta grande destruição do meio ambiente que está ocorrendo, e ainda ocorrerá se nada for feito. A obra foi inicialmente orçada em R$ 120.000.000,00 (cento e vinte milhões de reais) porque os governantes sonegaram todo o prejuízo ambiental decorrente, que custa dinheiro, e muito. Hoje já está sendo anunciado que a obra custará R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), e o prejuízo será ainda maior à medida que a caixa-preta da barragem Marrecas começa a ser aberta. Assim, o Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza vem a público informar à comunidade caxiense e gaúcha estes recentes fatos, denunciando as ilegalidades praticadas no licenciamento ambiental da barragem Marrecas, que agora serão criteriosamente apuradas para promover a punição exemplar dos envolvidos, bem como solicitar o apoio de todas as entidades e pessoas que também prezam pela defesa da legalidade, moralidade administrativa, da Mata Atlântica e do meio ambiente.

Caxias do Sul, 12 de maio de 2011

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